por Ricardo Morais, em 02.11.08
300 jogos, quase 33 anos, quando olha para trás sente que já chegou ao ponto mais alto da sua carreira?
QUIM – Tenho a felicidade de estar a completar 300 jogos na I Liga, é importante, mas continuarei a trabalhar da mesma forma. Que venham muito mais. Não quer dizer que já conquistei tudo. Ainda tenho muito para ganhar, sobretudo títulos.
R – Estes 300 jogos coincidem com o seu melhor momento de sempre?
Q – Sim. É fruto de um trabalho longo. Para se estar bem, é preciso jogar. Felizmente isso tem acontecido. E com essa confiança dos treinadores posso de facto dizer que estou no melhor momento da minha carreira.
R – Ainda se lembra do primeiro jogo?
Q – Lembro-me que foi em Setúbal. Na véspera tinha feito um jogo pelos juniores e fui chamado em cima da hora, creio porque o titular estava lesionado. Era miúdo, nem me lembro se a crítica foi ou não positiva. Sei é que não sofri golos!
R – Recorda algum golo que gostava de ter evitado?
Q – Todos! [risos] Todos os golos têm sabor amargo. Trabalho para sofrer o menos possível.
R – Um momento muito especial que o tenha marcado?
Q – A vinda para o Benfica. Tinha 28 anos, aconteceu quando foi possível.
R – Estuda os adversários antes dos jogos, especialmente aqueles que podem criar perigo para a sua baliza?
Q – Na Liga portuguesa, vamos conhecendo os jogadores. O mais complicado é nos jogos internacionais e aí é preciso ver vídeos para identificarmos algumas características.
R – Gosta de fazer defesas para a fotografia?
Q – Gosto de fazer defesas. Ponto. Não procuro passar a imagem do espectacular.
R – Quique disse que Leo, aos 33 anos, ainda tinha coisas para aprender. É também o seu caso?
Q – Estamos sempre a aprender. Como disse, estou no auge da minha carreira, da minha forma. Quem sabe se aos 35 anos não estarei ainda melhor? O meu objectivo é melhorar em cada treino, em cada jogo.
R – Um dos aspectos que mais se critica na sua forma de defender é a menor eficácia fora dos postes. É isso que tem de melhorar?
Q – Não só. Em todos os aspectos preciso e devo melhorar. Não percebo porque se faz essa crítica.
R – Não se revê nela?
Q – A crítica não me incomoda. Mais do que ninguém, eu próprio me critico. Sei quando erro. Agora, não me parece que os cruzamentos sejam o meu ponto fraco.
R – Disse que pretendia jogar até aos 38 anos. Para ser no Benfica, precisa de renovar contrato.
Q – Não sei o meu futuro. Tenho mais ano e meio de contrato com o Benfica. Os 38 anos são uma idade em que antevejo estar ainda em perfeitas condições. O objectivo seria terminar a carreira aqui no Benfica, para mim o maior clube português e que me ajudou imenso.
R – Já conversaram sobre a renovação?
Q – Não. O ano passado, por esta altura, renovei por mais uma época.
R – Nunca teve a atracção pelo estrangeiro?
Q – Não. Tive a oportunidade, quando estava em Braga, de dar o salto, mas sempre disse que para ir para fora teria de ser para uma situação melhor do ponto de vista financeiro e familiar. Das propostas que tive, achei que nenhuma delas me poderia compensar devidamente.
R – Noutros anos, o Benfica contratou guarda-redes. Moretto, Butt foram os últimos. Este ano, nenhum cara nova. Entendeu isso como um sinal de confiança?
Q – Sem dúvida. Desde que estou no Benfica, tem vindo sempre um novo. Ao não contratar nenhum, confiou em mim e no Moreira. É sempre bom sentir o apoio dos dirigentes.
R – Como se vive a concorrência na baliza do Benfica. Dão conselhos uns aos outros, fazem reparos?
Q – Ao contrário do que há uns tempos foi passado para o exterior, dizendo que eu e o Moretto e até outros guarda-redes não se davam bem, é preciso referir que todos procuram fazer o seu melhor em prol do Benfica. Damo-nos todos bem e ajudamo-nos uns aos outros. É claro que é difícil para quem fica de fora, mas treinam como se fossem jogar. E isso é fundamental até para mim porque me obrigam a trabalhar mais.
R – Quando Moretto chegou à Luz e você passou de titular para o banco, não se sentiu injustiçado?
Q – Foi uma das piores situações da minha carreira – a seguir à questão do anti-doping. Trocar o lugar de titular pelo banco depois de até ter jogado com algum sacrifício físico e o Moretto ter chegado quatro dias antes, foi extremamente difícil aceitar e entender. Sai sem mais nem menos.
R – O Koeman é uma pessoa com a qual não gostaria de voltar a cruzar-se?
Q – Pois, é o único treinador que não gostaria de voltar a ter.
R – Disse que o Benfica tem de ser uma equipa mais madura. Quando se olha para os jogadores vê-se gente experiente. Onde quis chegar?
Q – O que pretendo dizer é que há fases do jogo onde a equipa se balança em demasia para a frente. Por exemplo: estamos a ganhar 1-0 e não podemos atacar com 6 ou 7 jogadores. Há momentos, em que é preciso “parar” e sentir o pulso do jogo para fazer o mais adequado sem correr riscos desnecessários. Obviamente, temos uma grande equipa. Não é isso que está em causa.
R – É a melhor dos últimos 5 anos?
Q – Sim, é uma equipa com jogadores com grande qualidade reconhecidos internacionalmente. Noutros anos, o Benfica contratou jogadores que não tinham aquela dimensão. Melhor de tudo, este ano juntámos bons jogadores e um bom grupo.
R – O Benfica poderá sentir a falta de Rui Costa precisamente para marcar os ritmos certos da equipa durante o jogo?
Q – Porque não? Era um jogador experiente que nestas fases do jogo sabia exactamente o que fazer. Para mim, o Rui ainda poderia estar a jogar este ano. Mas estamos a crescer e iremos melhorar.
R – Como acolheram a transição de Rui Costa de jogador para director?
Q – Continua diariamente connosco só que não treina. Ajuda-nos à mesma, conhece os jogadores melhor do que ninguém e tem desempenhado um papel importantíssimo.
R – Ao longo dos anos sempre se ouviu dizer que o Benfica não dá tempo aos seus jogadores e aos seus treinadores. Quique introduziu uma nuance que Vieira seguiu. É preciso dar tempo ao tempo, dizem ambos. Sentem de facto que podem trabalhar com mais tranquilidade?
Q – Quando cheguei não tive esse tempo. Jogava e era assobiado. Um erro e já não tinha segunda oportunidade. Hoje, as pessoas têm de facto outra perspectiva. É importante, até pela juventude que temos no plantel e que precisa para crescer.
R – O Benfica é candidato a vencer a Taça UEFA?
Q – É candidato a ganhar jogo a jogo. O próximo é que é importante. Temos de pensar assim. Por isso, queremos é conseguir um bom resultado em Guimarães e só depois pensaremos no Galatasaray, sendo óbvio que uma vitória será um passo importante para as nossas aspirações.
R – O que é que Quique trouxe de novo?
Q – É um treinador jovem mas já experiente e que nos tem ajudado imenso.
R – É mais fácil a empatia de um grupo com um treinador mais próximo das suas idades?
Q – Não sei se será por causa disso. A minha relação é igual com todos os treinadores.
R – Hoje reencontra-se com o treinador que o lançou. Tem uma relação especial com Manuel Cajuda?
Q – Claro, o mister ficará sempre guardado na minha memória. Foi o meu primeiro treinador, o que me lançou e o que mais me ajudou e com quem mais trabalhei. Conhece-me muito bem e só lhe posso estar grato por tudo o que fez por mim e até por aquilo que me tem dito ao longo dos anos. Apoiou-me sempre em todas as situações.
R – É um dos sobrinhos do “tio” Cajuda...
Q – Pode dizer-se que sim. Ele próprio o diz. Agora, que seja eu ganhar o jogo.
R – Lembra-se de algum episódio que tenha acontecido?
Q – Vários, mas tenho um sempre na memória. Toda a gente diz que o meu problema é ser baixo. O que não é verdade, mas enfim... Um dia, ainda muito no início da minha carreira, e porque eu tinha o hábito de treinar com calças de fato de treino, Cajuda disse-me para tirá-las, pois, dizia ele, era por isso que ficavam com a ideia que eu era baixo. Sinceramente, não estava habituado a jogar de calções, mas lá obedeci. A verdade é que ainda hoje acham que sou baixo... Não sei porquê. Tenho 1,84m. O Baía tinha quanto? 1,85? 1,86? Será que por um centímetro já se é assim tão baixo?
R – Tem sido um homem de azar na selecção. O doping em 2002, a lesão em 2008. Como convive com esta malapata?
Q – Tenho de viver com ela. Ainda hoje não sei como é que o controlo acusou positivo. Tenho a consciência tranquila, pois nada tomei.
R – Foi uma fase difícil, com um rótulo muito desagradável...
Q – Foi terrível. Ponham-se no meu lugar. Ter a certeza de que nada tomei que pudesse originar uma situação daquelas e cair-me tudo em cima. Felizmente, ultrapassei essa fase mas ainda hoje fico com um certo receio. Sei lá se não me acontecesse a mesma coisa?!
R – Vai a medo ao controlo?
Q – É verdade, ainda hoje vou a medo.
R – Disse ter sido assobiado algumas vezes quando chegou à Luz. Hoje sente já ter conquistado o coração dos benfiquistas? Como tem convivido com a popularidade de Moreira?
Q – No início foi complicado. Ao assobiarem, os sócios estavam a assobiar contra eles próprios. Deveriam pensar que eu me sentiria mal com a situação e não renderia aquilo que estaria ao meu alcance. Já passou e as pessoas pensam de maneira diferente.
R – No campo, grita mais com quem?
Q – É um grito de alerta a quem está próximo e não a alguém em especial.
R – Os centrais são os que estão mais próximos. Qual a dupla que lhe inspirou maior confiança?
Q – Não sei. Os centrais têm uma posição tão complicada como os guarda-redes. Sempre nos ajudámos uns aos outros.
Entrevista concedida por Record
Autoria e outros dados (tags, etc)